Diz-se que Heráclito assim teria respondido aos estrangeiros vindos na intenção de observá-lo. Ao chegarem, viram-no aquecendo-se junto ao fogo. Ali permaneceram, de pé, (impressionados sobretudo porque) ele os encorajou a entrar, pronunciando as seguintes palavras: 'Mesmo aqui, os deuses também estão presentes'. (Aristóteles. De part. anim. , A5 645a 17ff).

quinta-feira, março 10, 2011

Quem são os “gays reais”?

 

328_2145-alt-rodrigo

 

No dia 09 de março passado, o portal Mix Brasil publicou reportagem de Hélio Filho, intitulada Insensato Coração: Personagem gay ganha mais espaço a partir de hoje. No artigo, o autor, após elogiar o crescimento do personagem homossexual Eduardo (Rodrigo Andradde – Foto) na trama da novela global “Insensato Coração”, manifesta a seguinte opinião: “Simpatia à primeira vista por um personagem que tem se mostrado bem longe de estereótipos imaginados e muito mais perto dos perfis de gays reais” (o negrito é meu).

Ao ler essa última afirmação fiquei me questionando – e questionei igualmente ao portal e ao autor do artigo – o que seriam esses tais “gays reais”. A expressão me soa como a internalização do preconceito que a sociedade hetero-normativa manifesta todos os dias contra as pessoas de orientação homoafetiva. Em outras palavras: querem normatizar a homossexualidade, arrastando-a para dentro dos moldes tradicionais da representação de gênero. E isso, num portal não apenas voltado para o público LBGTT, mas que historicamente tem assumido a bandeira de luta pela diversidade humana.

Minha indignação – que não é apenas minha, mas igualmente de meu companheiro e de alguns de nossos amigos – não é contra o personagem e o modo específico de viver a homossexualidade que ele representa; mas contra a ideia de que há um jeito correto ou “real” de vivê-la. E que este jeito seria aquele que foge ao “estereótipo” do gay afeminado, ou seja, o modelo do “gay real” seria aquele que mais se aproxima da “normalidade” do modelo de homem heterossexual.

Babaquice! – esta é a única palavra que me ocorre para descrever essa mentalidade. Não que eu queira ver representado da TV apenas um dos muitos modos possíveis – tantos quantos são os que vivem – a homossexualidade. Mas, me incomoda, e muito, que setores do movimento LGBTT estejam repetindo os erros da mentalidade majoritária que insiste em querer padronizar os seres humanos e sua relação com o mundo e com o outro.

O “gay real” é aquele que cotidianamente vive sob o estigma do preconceito e da discriminação, seja ele afeminado ou não. É aquele que, embora viva num Estado Laico de Direito, tem seus direitos elementares negados sistematicamente. O “gay real” é o gay que trabalha, estuda, vive a vida real e não uma novela.