Diz-se que Heráclito assim teria respondido aos estrangeiros vindos na intenção de observá-lo. Ao chegarem, viram-no aquecendo-se junto ao fogo. Ali permaneceram, de pé, (impressionados sobretudo porque) ele os encorajou a entrar, pronunciando as seguintes palavras: 'Mesmo aqui, os deuses também estão presentes'. (Aristóteles. De part. anim. , A5 645a 17ff).

segunda-feira, maio 16, 2011

O reconhecimento do direito à diferença


Maria Berenice Dias
Advogada
Presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB
www.direitohomoafetivo.com.br

maria berenice dias

Em um Estado democrático de direito, todos são merecedores da tutela jurídica. É o que diz a Constituição Federal ao consagrar os princípios da liberdade e da igualdade e proclamar respeito à dignidade da pessoa humana. Já no seu preâmbulo, assegura uma sociedade pluralista e sem preconceitos. Também  garante, como um dos objetivos fundamentais da República, uma sociedade livre e justa, que deve promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça sexo, cor idade ou qualquer outra forma de discriminação.

Todos estes princípios serviam para qualquer um, menos para gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. O covarde silêncio do legislador, que se nega a aprovar leis que atendam as minorias alvo de discriminação, sempre alimentou o preconceito. Basta lembrar que data do ano de 1995 o primeiro  projeto de lei que, tal qual um punhado de tantos outros, vagaram pelas casas legislativas sem nunca terem sido levados à votação. A maioria foi arquivada. Atualmente existem 16 projetos em tramitação, sem que se vislumbre a possibilidade de serem aprovados. Nem mesmo o que criminaliza a homofobia. A única referência se encontra na Lei Maria da Penha que conceitua família como relação íntima de afeto, independente da orientação sexual.

Assim, o Supremo Tribunal Federal,  com coragem, sensibilidade e sabedoria, em histórica decisão, reconheceu as uniões homoafetivas como entidade familiar, assegurando aos parceiros homossexuais os mesmos direitos e deveres dos companheiros das uniões estáveis.

Para o reconhecimento de direitos, ninguém pode ficar à mercê do legislador, quando este se nega a legislar, quer alegando motivos de natureza religiosa, quer por temer ser rotulado de homossexuais, ou, quem sabe, por medo de comprometer sua reeleição.

Mas a ausência de lei não significa ausência de direito e nenhum juiz pode se omitir do dever de julgar.  Daí os avanços em sede jurisprudencial. Tanto a justiça estadual como a federal, já concederam direitos à população LGBT.

Desde o ano de 2001 são deferidas às uniões homoafetivas direitos no âmbito do Direito das Famílias e das Sucessões.  Ora as reconhecendo como entidade familiar, ora aplicando por analogia a legislação da união estável.

As decisões pioneiras são do Rio Grande do Sul, mas todos os demais Estados  vêm decidindo no mesmo sentido.  De modo recorrente, são concedidos direitos previdenciários, pensão por morte e a inclusão em plano de saúde. Contam-se às dezenas as decisões que deferem direitos sucessórios, assegurando direito à meação, direito real de habitação, direito à herança bem como o exercício da inventariança. Também são deferidos alimentos e assegurado o direito à curatela do companheiro declarado incapaz. Do mesmo modo, é assegurada a adoção e a habilitação conjunta, bem como declarada a dupla parentalidade quando são usados os meios de reprodução assistida. Ainda que os parceiros sejam gays, reconhecida como doméstica a violência, são aplicadas medidas protetivas da Lei Maria da Penha.

De tão reiteradas as decisões, alguns direitos são deferidos em sede administrativa. Assim a concessão pelo INSS de pensão por morte e auxílio reclusão; o pagamento seguro DPVAT; a expedição de visto de permanência ao parceiro estrangeiro. Também está assegurada a inclusão do companheiro como dependente no imposto de renda.

O  último censo revelou a existência de 60 mil famílias constituídas por pessoas do mesmo sexo. Mas o número não importa. Apesar do preconceito de que são alvo, da perseguição que sofrem, da violência de que são vítimas, não há como condenar à invisibilidade  e deixar parcela da população fora do âmbito da tutela jurídica.

Este é o significado maior da decisão unânime do Supremo Tribunal, que conclamado a  suprir a omissão do legislador, impôs vigência à Constituição Federal que assegura o respeito à dignidade humana, sob a égide dos princípios da igualdade e da liberdade.

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Publicado com autorização da autora.

Palestra sobre Sufismo no Recife

 

Palestra Sufi em Maio

Via: Ciências da Religião na UNICAP

quinta-feira, maio 05, 2011

Ela é minha irmã: uma homenagem.

 

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Há alguns dias uma jovem cometeu suicídio ao saltar da janela de seu apartamento, no centro de Campina Grande (PB). Segundo informações, a moça sofria de um quadro grave de depressão e estava sob tratamento. Ainda de acordo com as informações a que tive acesso, tudo se passou em apenas um minuto de distração: a pessoa que estava com ela no momento apenas se virou para desligar o fogão aceso, e quando se voltou a jovem já estava pulando pela janela.

Esse fato me trouxe algumas memórias e muitas reflexões. Em 2007 eu mesmo me vi preso a um quadro depressivo moderado que, felizmente, foi revertido com o auxílio de medicação e terapia. E quando soube da notícia, imediatamente me solidarizei com a menina que não teve a mesma possibilidade.

Apenas quem já esteve em depressão pode compreender o sofrimento de alguém nessa situação. Isso porque, para quem está de fora parece inexplicável que uma pessoa que vive cercada de afeto da família e dos amigos, que não enfrenta grandes problemas objetivos, que foi bem educado, etc.; possa tornar-se vítima de dor tão intensa que justifique escolher a morte como saída.

Isso se dá porque, infelizmente, para muitos ainda, a depressão acontece por algo como uma "falha de caráter". Para muitos a pessoa em depressão é um fraco, alguém que não sabe apreciar as coisas boas da vida e se centra apenas em seu sofrimento egoísta. Muitos ainda desconhecem as causas orgânicas deste mal. E, mais, por não haverem - felizmente - vivido o mesmo quadro, embora se preocupem com aqueles que passam por isso, não podem compreender como pode ser real aquele sofrimento, aquela dor, que existe apenas para quem a sofre.

Desde que soube o que havia acontecido com essa jovem, de quem não sei nem mesmo o nome, passei a me sentir estreitamente ligado a ela. Não como algo místico, ou mediúnico, me entendam. Ligo-me a ela por um laço fraterno: o sofrimento nos tornou irmãos.

Como eu disse, sei como é ser tomado por uma dor que você mesmo é incapaz de explicar. Sei como tal sofrimento, que para os outros parece imaginário, para quem o padece torna-se a única realidade. Sei o que é desejar dormir e nunca mais acordar. Sei como a morte se apresenta como a única saída capaz de fazer cessar a dor.

Depois de refletir sobre todas essas coisas, pude perceber o quanto próximo estou dessa jovem mulher, o quanto passei a amá-la em seu sofrimento. Ela é minha irmã, a quem rendo, aqui, minha homenagem.