Diz-se que Heráclito assim teria respondido aos estrangeiros vindos na intenção de observá-lo. Ao chegarem, viram-no aquecendo-se junto ao fogo. Ali permaneceram, de pé, (impressionados sobretudo porque) ele os encorajou a entrar, pronunciando as seguintes palavras: 'Mesmo aqui, os deuses também estão presentes'. (Aristóteles. De part. anim. , A5 645a 17ff).

quarta-feira, setembro 06, 2006

Da essência da Verdade à essência da Divindade (Parte I)

1. Introdução:
A partir de hoje começo a publicar, com algumas correções, um artigo que escrevi no ano de 2003. É um artigo sobre a possibilidade de se pensar uma aproximação entre Filosofia e Religião a partir das investigações ontológicas de Martin Heidegger (1889-1976). Bem, na época era esta minha preocupação fundamental uma vez que eu mesmo me debatia com essa problemática em minha vida pessoal. Agora, contudo, esta já não é mais a questão fundamental para mimApesar disto, ela ainda continua possuindo algum sentido existencial não declarado para meu pensamento. Portanto, desde seu nascimento, e ainda agora, este texto se constituía como uma reflexão preliminar e provisória sobre os temas que posteriormente seriam trabalhados por mim em minha dissertação de mestrado: Da Essência do Sagrado: Um estudo a partir da compreensão de Verdade e Linguagem no pensamento de Martin Heidegger. Torna-se, portanto, evidente que a confecção desta implicou em mudanças no pensamento que motivou o artigo original. Da mesma forma que, passados três anos da defesa da dissertação, muita coisa se modificou em minha maneira de ver a questão ali tratada, a saber: a questão sobre a possibilidade de uma experiência pensante com o Sagrado em seu essencializar-se.
Em minha opinião Heidegger é, sem sombra de dúvida, um dos maiores, se não o maior, filósofo do século XX. Por isto, nessa reedição do artigo quero continuar tomando o pensamento deste pensador como linha condutora de meu próprio pensar. Ou seja, será a partir da questão ontológica formulada por Heidegger em sua obra Ser e Tempo (1927) que a questão sobre o Sagrado se colocará para nós aqui. Isto porque, já não me interessa mais se é ou não possível uma relação entre Filosofia e Religião (ou em outros termos: Filosofia e Teologia) a partir do pensamento do filósofo alemão. Mais fundamental que isto me parece questionar, como fiz em minha dissertação, se é possível ao pensamento em geral uma experiência com o Sagrado.
O motivo desta mudança me parece evidente. Ao buscar aquela relação (Filosofia versus Teologia) corro o risco de transformar a questão ontológica (que é a questão primordial do pensamento) numa questão subsidiária de Filosofia da Religião. Ora, quem conhece o pensamento de Heidegger e seu significado para a história da Filosofia saberá que tal limitação seria em tudo uma temeridade. Uma temeridade que eu cometi quando escrevi este artigo pela primeira vez ao pensar que a questão de fundo de todo o pensar de Heidegger envolvesse, de algum modo, a questão religiosa. Na verdade, essa interpretação se mostrou antes uma projeção de minhas próprias questões existenciais. Definitivamente, não é possível encontrar no todo da obra heideggeriana algo como uma Filosofia da Religião, embora, possa se encontrar referências ao Sagrado em seus textos sobre a relação entre a poesia e o pensamento.
Bem, na reformulação de meu artigo, tomarei uma afirmação de Heidegger como fio condutor de minha reflexão sobre o Sagrado e o Pensamento. Esta afirmação diz o seguinte:

Sòmente (sic) a partir da Verdade do Ser pode-se pensar a Essência do sagrado. Sòmente (sic) a partir da Essência do sagrado pode-se pensar a Essência da divindade. Sòmente (sic) na luz da Essência da divindade pode-se pensar e dizer o que a palavra “Deus” pretende significar.[1]

Mas, como pensar a Verdade do Ser em sua relação com a Essência do sagrado e desta com a Essência da divindade? E, como pensar a Essência do sagrado desde a Essência da Verdade? E, como pensar a Essência da divindade desde as anteriores? Essas três questões deverão nortear o presente trabalho. Minha busca por uma possibilidade de uma experiência pensante com o Sagrado como condição de um pensar e relacionar-se com o deus, deverá em primeiro lugar pensar a Verdade do Ser em sua Essência, para em seguida pensar a Essência do Sagrado e, por último a Essência da Divindade. Minha intuição primordial, de que haverá uma possibilidade de acesso, por meio da filosofia heideggeriana, ao que comumente se chama de experiência religiosa a partir da análise hermenêutica dos documentos religiosos (textos, ritos, etc.) como fatos de linguagem, cede lugar a um esclarecimento ontológico preliminar sobre a possibilidade de uma experiência com o Sagrado e, conseqüentemente, com o essencializar-se da Divindade. Espero que esta reflexão possa, enfim, confirmar a referida intuição.
Nota:
[1] HEIDEGGER, Martin. Sobre o Humanismo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995. p. 81.

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