Diz-se que Heráclito assim teria respondido aos estrangeiros vindos na intenção de observá-lo. Ao chegarem, viram-no aquecendo-se junto ao fogo. Ali permaneceram, de pé, (impressionados sobretudo porque) ele os encorajou a entrar, pronunciando as seguintes palavras: 'Mesmo aqui, os deuses também estão presentes'. (Aristóteles. De part. anim. , A5 645a 17ff).

quarta-feira, outubro 07, 2009

O que distingue os teólogos dos cientistas da religião?

(Um texto de: Hans-Jürgen Greschat)

Os teólogos são especialistas religiosos. Os cientistas da religião são especialistas em religião. Essa diferença diz respeito a pontos essenciais:

1) Enquanto os teólogos investigam a religião à qual pertencem, os cientistas da religião geralmente se ocupam de outra que não a sua própria. A tarefa do teólogo é proteger e enriquecer sua tradição religiosa. É sua religião que está no centro do seu interesse. A sede de saber teológico diminui à medida que se afasta desse centro. (…).

Os cientistas da religião não prestam um serviço institucional como os teólogos. Não são comandados por nenhum bispo, nem obrigados a dar satisfação a nenhuma instância superior. São autônomos quanto ao seu trabalho. (…) Todavia, os cientistas da religião também têm seus focos temáticos – portanto, quanto mais um assunto deles se afasta, menos acentuado é seu interesse acadêmico. (…)

 

2) Os cientistas da religião optam pela pesquisa de uma determinada religião. Pode ser qualquer uma – potencialmente a escolha é limitada em termos históricos, geográficos ou tipológicos. Há apenas um critério que reduz o espectro dos seus possíveis objetos de estudo: a própria incompetência. Quem não compreende a língua dos adeptos de uma religião, não suporta o clima da região onde ela se encontra ou pensa que a fé em questão não tem valor deveria optar pela pesquisa de um outro objeto. Os teólogos não têm essa liberdade, uma vez que apenas se ocupam de uma religião alheia quando existe a necessidade de comparação com a sua própria. Todavia, quando isso acontece, são obrigados a estudá-la (…).

 

3) Quando os teólogos estudam uma religião alheia, partem da própria fé. Ao investigarem como os outros concebem seu deus, crença ou pecado, tomam a própria religiao como referência. De acordo com seus critérios, avaliam os demais sistemas como “mais próximos” ou “mais distantes” de sua própria religião, ou, até mesmo, enquadram-nos em julgamentos que determinam categorias do tipo “o objeto traz algumas características religiosas” ou “apenas magia”. Todavia, se algo é natural e indubitavelmente visto como semelhante, criam facilmente pontes entre a própria religião e a outra. Procedimentos desse tipo geralmente não possibilitam um encontro com o outro, ou seja, não chegam a um verdadeiro conhecimento de outra fé. Em outras palavras: são estritos demais para aprofundar a relação com o objeto de estudo.

Não é oportuno para os cientistas da religião avaliar outra fé com base na própria. Eles têm a liberdade de pesquisar uma crença alheia sem preconceitos. A questão é apenas saber o quanto dessa liberdade eles suportam. É mais fácil descobrir algo quando se sabe com antecedência o que procurar; por conta disso, há cientistas da religião que têm por costume apropriar-se de critérios já estabelecidos para classificar elementos ou universos como “animismo”, “magia” ou “politeísmo”. Isso significa que não apenas preconceitos religiosos, mas também atitudes intelectuais podem distorcer a compreensão de fenômenos pesquisados no âmbito da Ciência da Religião.

 

4) Os fiéis de uma determinada crença é que vão informar se entendemos adequadamente uma fé alheia. Consultar adeptos de uma religião pesquisada é um teste de segurança que permite diferenciar descrições válidas e não válidas do ponto de vista da história da religião. Os teólogos têm meios próprios para distinguir o que é “verdadeiro” e o que é “falso” na área da religião. Para eles, a própria fé – e não a de outras pessoas – é a norma decisiva, uma vez que apenas ela é considerada verdadeira em oposição às outras, que são avaliadas como falhas.

(GRESCHAT, Hans-Jürgen. O que distingue os teólogos dos cientistas da religião? In: ______. O que é Ciência da Religião? Paulinas: São Paulo, 2005. p. 155-157. Excertos. Tradução: Frank Usarski.)

0 comentários: