Diz-se que Heráclito assim teria respondido aos estrangeiros vindos na intenção de observá-lo. Ao chegarem, viram-no aquecendo-se junto ao fogo. Ali permaneceram, de pé, (impressionados sobretudo porque) ele os encorajou a entrar, pronunciando as seguintes palavras: 'Mesmo aqui, os deuses também estão presentes'. (Aristóteles. De part. anim. , A5 645a 17ff).

quarta-feira, março 24, 2010

O Signo de Jonas, o existente *

Esta geração pede um sinal. Nenhum sinal lhes será dado, exceto o signo de Jonas. **

 

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Quem não conhece a história de Jonas, o existente, e da baleia que o levou a um lugar onde não queria estar? Jonas era um homenzinho comum, levava uma vida comum, numa cidadezinha comum… Um dia, o deus a que Jonas adorava descobriu sua mediocridade e o nomeou para importante missão.

Levanta-te, vai até Nínive e dá meu recado!

Não sei se a ordem foi dada para salvar Jonas de si mesmo, ou se Iahweh queria apenas mexer com o pobre coitado, ou ainda, apenas sacaneá-lo. Mas a ordem veio, retumbante, como são retumbantes as falas de um deus. Não era o raio de Zeus, era a voz que remexe com as entranhas de Jonas, o existente. Algo mais como um terremoto profundo, uma imposição da qual não se pode fugir.

Mas, Jonas, o existente, quis fugir. E fugiu deveras. Nem esperou o dia seguinte. Recebida a ordem, levantou-se – quem sabe para dar a impressão de obediência corajosa e enganar seu deus – e tomou o primeiro navio para Társis ***. E a história diz que pagou a passagem. Jonas era um bom homem.

No entanto, o deus de Jonas, o existente, não se deixou enganar facilmente. E, cruel como todo bom deus deve ser, enviou uma forte tempestade sobre o barco, ameaçando a vida de todos quantos ali se encontravam, e que obedeciam seus deuses. Somente Jonas, o existente, fora covarde e desobediente.

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E jogaram Jonas, o existente, ao mar para aplacar a fúria do deus desobedecido. Foi ideia do próprio fujão. Apenas mais um ato no desepero da fuga! Pensou Jonas: “ - Se eu morro, Iahweh, meu deus, não poderá fazer-me garoto de recados.”

Nem é preciso dizer que o deus de Jonas, o existente, era mais esperto que ele. Se podia fazer o mar ficar revolto, podia ainda, igual ao Aquaman, controlar os viventes que nadam no mar. (Acho que teria sido mais honroso comparar o deus de Jonas a Poseidon. Afinal de contas, um deus só se compara a outro deus, e não a um super-herói. Mas, agora já foi.).

E veio a baleia. O grande paradoxo no ventre do qual Jonas, o existente, viajou, durante três dias e três noites, para o lugar onde deveria estar e do qual esteve fugindo: Nínive.

Ali Jonas, o existente, tornou-se Jonas, o profeta (uma boa palavra para “garoto de recados de deuses irados”). E nosso amigo era tão bom fazendo isso que as pessoas, reconhecendo seu talento, acreditaram nele e no recado que trazia, e se tornaram melhores. E o deus de Jonas não se vingou dos ninivitas

Só que Jonas, o profeta, ainda era um existente. E, lento para entender, reclamou de seu deus:

Não foi por isso que eu fugi? Você me fez vir até aqui, dar o seu recado, e na hora do show pirotécnico, resolve desistir! Melhor eu morrer, sou um fracasso como profeta!

E o bom deus de Jonas, ex-profeta, ainda um existente, que tinha o entendimento apoucado, deu-lhe uma lição em forma de analogia. Embora, provavelmente, Jonas nem soubesse o que fosse uma analogia. Afinal, era apenas um homenzinho comum, que levava uma vida comum, numa cidadezinha comum, até que seu deus olhasse para sua mediocridade e a eternizasse numa fábula bíblica. Mas, ainda assim, o bom deus de Jonas, cruel como todo bom deus deve ser, deu-lhe a seguinte lição.

No local escolhido por Jonas para assistir a destruição de Nínive - o local onde, segundo a história,  Jonas construiu um camarote e de onde se lamentou pelo cancelamento da vingança -, o deus de Jonas fez nascer uma mamoneira. A mamoneira cresceu e fez sombra sobre a cabeça de Jonas, o frustrado, e ele ficou feliz.

No dia seguinte, ao amanhecer, o bom deus de Jonas enviou um verme que picou a mamoneira e ela secou. Enviou um vento quente e um sol causticante sobre Jonas que, pra variar, pediu a morte. E Iahweh com sua voz retumbante – como apenas a voz de um deus pode ser retumbante – falou:

Tá reclamando da morte da mamoneira? Foi você quem a plantou e a fez crescer? Tem pena da mamoneira que nasceu num dia e morreu no outro? E eu? Não terei pena dos ninivitas que não distinguem entre a direita e a esquerda, tal como animais?!

A história termina assim, sem nos contar se Jonas entendeu ou não a lição. Mas, eu duvido muito.

Eu mesmo não a entendo plenamente. Contudo, creio que, em algum grau,  eu e você sejamos Jonas. Afinal, também somos existentes. Também viajamos no ventre de um paradoxo. Também fugimos daquilo que melhor nos configura.

Francamente, eu não sei se há um deus como aquele de quem Jonas recebeu seu mandato. Mas, sei que há em mim um força que me lança adiante rumo ao horizonte. E mesmo quando parece melhor fugir – ou morrer – porque a tempestade parece maior do que minha capacidade de suportá-la, o horizonte me chama, interpela.

Aí, então, sou mais-além: sou meu próprio destino. Não há nada no horizonte: nem modelo, nem ideal que eu possa vislumbrar, apenas um possível de mim.

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* Texto inspirado na obra do monge cisterciense franco-americano Thomas Merton, “The Sign of Jonas”.

** Adaptação livre de Mt 12, 38-39; 16, 1-4; Lc 11, 29-32; Mc 8, 11-12.

*** Társis representava, aos olhos dos hebreus, o fim do mundo. Algo como para nós a “Conchichina”.

4 comentários:

Vital Cruvinel disse...

Oi, Augusto!

Bacana este texto! Muito gostoso de ler! Só não consegui apreender o significado de 'existente'... pode ser uma limitação minha, mas talvez fosse interessante colocar uma nota de rodapé dando uma breve explicação.

Abraço!

Augusto Araujo disse...

Oi Vital! Obrigado pela apreciação! O termo "existente", aplicado a Jonas, é um epíteto de nossa condição. Todos somos e apenas isso. O "existente" está na existência, e só aí se encontra. Para ele a morte é horizonte de ganhar-se ou perder-se. Um "existente" foge, luta, se frustra... um "existente" transcende... Mas, acima de tudo, um "existente" está lançado no ventre de um paradoxo.

Ih! Acho que só confundi mais! Hehehe...

Vital Cruvinel disse...

Então... acho que melhorou um pouquinho! ou confundiu mais um pouquinho! sei lá! mas, tá valendo! O que me pareceu ser a essência disso é que é algo simples, comum a todos, que não tem um objetivo prévio... será que é isto? ehehe!!!

Augusto Araujo disse...

Hehehehe... é isso aí, amigo! Ou o que mais você quiser... Abração!