Diz-se que Heráclito assim teria respondido aos estrangeiros vindos na intenção de observá-lo. Ao chegarem, viram-no aquecendo-se junto ao fogo. Ali permaneceram, de pé, (impressionados sobretudo porque) ele os encorajou a entrar, pronunciando as seguintes palavras: 'Mesmo aqui, os deuses também estão presentes'. (Aristóteles. De part. anim. , A5 645a 17ff).

segunda-feira, outubro 05, 2009

“Então, Augusto, deus existe?”

 

Há alguns dias uma amiga, ao saber que tenho me dedicado ao estudo dos fenômenos religiosos, me perguntou à “queima roupa”: - “Então, Augusto, deus existe?”. Sua pressuposição era que, sendo doutorando em Ciência da Religião, eu deveria constantemente me debruçar sobre esta questão e ter, ao menos provisoriamente, uma resposta “erudita” sobre o tema. Ou, quem sabe, ela só queria começar amigavelmente uma conversa tocando num assunto que todo mundo sabe que me instiga.

 

Bem, o fato é que esta não foi a primeira vez, e possivelmente não será também a última, que me fazem este tipo de questão. Acredito que vários colegas do campo disciplinar da Ciência da Religião passam por experiências semelhantes não muito raramente. As pessoas às vezes pensam que faço algo ligado diretamente à Teologia. Que serei padre, pastor, capelão de alguma coisa… ou, simplesmente, que por estudar o Espiritismo eu seja algo como um “teólogo espírita”, se algo assim fosse mesmo possível.

 

Não é nada disto! Aliás, esta é a mesma confusão que o Ministério da Educação e Cultura tem feito ao propor, através da Consulta Pública dos Referenciais Nacionais dos Cursos de Graduação, que os cursos de graduação que hoje levam a nomenclatura “Ciência da Religião” (e suas variações tais como Ciências da Religião; Ciencias das Religiões e Ciência das Religiões), sejam todos subssumidos sob o nome genérico “Teologia”. O que mostra a incompreensão generalizada sobre esta área acadêmica, ainda incipiente no Brasil, mas com larga tradição na Europa e na América do Norte.  O MEC, sob o pretexto de promover uma “convergência de denominação”, ignora as peculiaridade epistemológicas tanto da Teologia quanto da Ciência da Religião.

 

Bem, a questão que dá título a este post é apenas um exemplo de como a Ciência da Religião dista da Teologia. O cientista da religião não precisa pressupor a existência de deus (ou de deuses), nem a sua não-existência, para executar bem seu trabalho. Ele não precisa nem mesmo ser religioso para tanto. Em minha opinião é até melhor que não o seja, a fim de evitar que seu trabalho, sua pesquisa, se torne apenas um trabalho de apologia de sua crença pessoal. Ao contrário, embora muitas vezes a Teologia já não se debruce mais sobre a questão da existência de deus, ela pressupõe não só uma resposta afirmativa a esta questão, mas a possibilidade de que este deus se comunique e transmita sua vontade ao mundo.

 

De minha parte, no que toca a esta questão,  faço como fiz com aquela amiga, devolvo a pergunta: E aí, pessoal, deus existe?

1 comentários:

Vital Cruvinel disse...

Olá, Augusto!

Muito interessante esta diferenciação entre teólogos e cientistas da religião. Eu a desconhecia. Realmente, o estudo de uma religião é, a meu ver, mais efetivo quando feito por algúem não religioso. Aliás, por alguém que saiba se distanciar do ponto estudado e consiga manter-se em posição crítica.

Abraço e parabéns mais uma vez pelo blog! Os textos estão muito claros e interessantes.