Diz-se que Heráclito assim teria respondido aos estrangeiros vindos na intenção de observá-lo. Ao chegarem, viram-no aquecendo-se junto ao fogo. Ali permaneceram, de pé, (impressionados sobretudo porque) ele os encorajou a entrar, pronunciando as seguintes palavras: 'Mesmo aqui, os deuses também estão presentes'. (Aristóteles. De part. anim. , A5 645a 17ff).

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Um basta aos fundamentalismos

 

O fundamentalismo é reacionário. Uma reação à aparente absurdidade da ausência de um fundamento absoluto. Diante da constatação nietzscheana da “morte de deus” – ou, em outras palavras, da constatação que não há mais um deus que tudo reúne e justifica –, diante da pluralidade e do relativismo, o homem e a mulher desesperados agarram-se ao primeiro sinal de uma certeza absoluta. Mesmo que esta certeza contrarie tudo, absolutamente tudo, o que sua razão lhe diz.

O problema maior do fundamentalismo é que ele gera políticas de segregação e de dominação. Abre um abismo entre os que estão “com a verdade” e os que são “contra a verdade”. O fundamentalista só reconhece a capacidade do outro para a verdade na medida em que ele concorda consigo, seu maior desejo é a unanimidade. É como se, a partir  do número de novas adesões que sua ideologia conseguisse, ele se convencesse cada dia mais da veracidade desta. Em tal contexto, não há possibilidade de diálogo.

O fundamentalista tudo julga, critica, desde a certeza a priori de que seu conjunto de crenças, seu sistema de pensamento, tudo explica adequadamente. Ele não sente pudores em utilizar o leito de Procusto* para tudo fazer caber em sua teoria pré-concebida. Mutila, perverte, distorce os fatos para que confirmem a “sua” verdade.

Muito frequentemente um fundamentalista se coloca em posição acima de toda crítica. Se reveste de santidade, prestígio, pseudo-autoridade. E acaba por fazer seguidores. Cita fontes antigas que referendam seu ponto de vista tacanho, descontextualizando-as historicamente, aplicando sem maiores considerações princípios anacrônicos às situações contemporâneas. Por isso o fundamentalismo é mais frequente entre os diversos cultos religiosos.

Às vezes o fundamentalismo se transveste de ciência e de filosofia, reclama pela autoridade dos fatos e da razão, mas tão somente mascara a falta de uma visão mais ampla. Utiliza-se dos resultados da ciência e da filosofia de maneira parcial, instrumentalizando-os, mas despreza o contexto e fonte de onde promanaram.

O fundamentalista é um mestre das falácias! Distorce fatos, discursos, atitudes para “provar” seu ponto de vista limitado. Vira suas armas contra indivíduos e não contra argumentos, acusa sem razão, maldiz…

No fundo, por trás de tantas certezas, o fundamentalista é um inseguro.

4 comentários:

Anônimo disse...

Olá meu querido Guto. Belo e Bom texto. Eu só lhe pergunto duas coisas: 1)Com relação a nietzsche, à morte de Deus, e à insegurança das pessoas, eu creio que "a descoberta" desse filósofo não tenha nenhum efeito senão no mundo dos intelectuais e acadêmicos;as pessoas que não estão na torre de marfim não tem conhecimento disso. ou não? eles realmente têm consciência da morte desse Deus regente do universo e dos valores morais? 2) Uma vez que todas as religiôes possuem sua verdade normativa e sua explicação do mundo, seriam elas fundamentalistas em sua essência?
um grande abraço forte.
do seu sempre grato irmão

joão Paulo (sorocaba)

Augusto Araujo disse...

Oi João Paulo. Bom ler você por aqui. Suas questões são pertinentes, não resta dúvida. Quanto à primeira o que penso é: embora a maioria das pessoas nunca tenha lido, ou sequer conheça Nietzsche, isso necessariamente não significa que aquilo que ele denomina "a morte de deus" não seja um fenômeno sentido e pressentidopor um número crescente de indivíduos.Teoricamente, não há dúvida, as implicaçõesdo dito nietzscheano encontram sua melhor ressonâncianas academias. No entanto, o impacto da "morte de deus" e do que ela representa atinge a vida de todos. Quanto a segunda questão, ela é perigosa. Os diversos sistemas metafísicostambém podem ser encarados como portadores de verdade normativa, sem contudo, poderem ser classificados de fundamentalistas, em princípio. O que penso é que a atitude fundamentalista é uma atitude de fechamento à alteridade e ao diálogo com base no pressupostode que o outro não é capaz da verdade, a menos que passe a pensar exatamente como eu. Forte abraço e continue questionando e comentando!

Vital Cruvinel disse...

Hehehe, Augusto!

Acho que este texto tem alguma coisa a ver com algum debate acalorado em alguma lista de debates, não!?

Infelizmente, o diálogo fica muito comprometido quando um dos dois interlocutores é fundamentalista. E, em geral, é como dar murro em ponta de faca!

Abraços,

Vital Cruvinel.

Augusto Araujo disse...

Kakaka... Sim, Vital! Tem tudo a ver! Embora esse texto já tivesse sido escrito antes. Na verdade eu o publiquei para ilustrar uma palestra que dei no Encontro para a Nova Consciência, aqui em Campina Grande, sobre "Religião e Homossexualidade". Mas, se encaixa como uma luva em alguns debates que venho travando por aí!

Forte abraço! Obrigado pela visita.