Diz-se que Heráclito assim teria respondido aos estrangeiros vindos na intenção de observá-lo. Ao chegarem, viram-no aquecendo-se junto ao fogo. Ali permaneceram, de pé, (impressionados sobretudo porque) ele os encorajou a entrar, pronunciando as seguintes palavras: 'Mesmo aqui, os deuses também estão presentes'. (Aristóteles. De part. anim. , A5 645a 17ff).

quinta-feira, abril 15, 2010

Um pequeno esclarecimento

 

Recentemente recebi um pedido de esclarecimento sobre o título de meu projeto de pesquisa para o doutorado: O Espiritismo, “esta loucura do século XIX”: Ciência, Filosofia e Religião nos escritos de Allan Kardec.

Minha querida amiga Verioni, que há muito não vejo (infelizmente), pediu-me que esclarecesse o uso que faço do termo “loucura” no título do projeto. Achei justa a demanda, já que pode parecer aos desavisados que há um juízo de minha parte. O que não corresponde à verdade.

Bem, em primeiro lugar é preciso que se diga que o título é provisório, ao menos na sua primeira parte (que gosto de chamar de título-fantasia). O núcleo da pesquisa é a consideração dos conceitos de ciência, filosofia e religião na obra de Allan Kardec. É uma pesquisa sobre os modos como Kardec interpreta cada um desses conceitos em relação à doutrina por ele criada e sistematizada: a doutrina espírita. Trata-se, portanto, de uma pesquisa que visa debater o tema da identidade do espiritismo na obra de seu fundador.

Sobre o problemático uso da expressão “loucura do século XIX”, eu já havia discutido com meu orientador – Prof. Dr. Volney Berkenbrock – a possibilidade de fazer a devida alteração, já que ele também havia sofrido um certo estranhamento ao ler o projeto. Embora, para mim, este uso seja justificável pelo fato de que trata-se de uma expressão do próprio Allan Kardec, motivo pelo qual  vem grafada entre aspas em meu título.

Contudo, ainda não encontrei uma alternativa para a substituição desejada e desejável. Enquanto isso, publico aqui um trecho de meu projeto de pesquisa, à guisa de justificativa:

[…] cabe uma necessária palavra acerca de porque o Espiritismo é chamado no título desta proposta de a loucura do século XIX. Tal assertiva é oriunda de um trecho da obra A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo no qual, Kardec comparando o Espiritismo ao Materialismo do século XIX, afirma serem ambos como "[...] dois viajantes que caminham juntos, partindo de um mesmo ponto; chegados a certa distância, diz um: ‘Não posso ir mais longe’. O outro prossegue e descobre um novo mundo. O primeiro, movido por sua incapacidade de seguir adiante, invariavelmente tachará o segundo de insano tal como aqueles que, permanecendo na Europa, acusavam de insanidade a Cristóvão Colombo que, em seu pioneirismo, saiu em busca de um novo mundo.

“Pois bem! o Espiritismo, esta loucura do século dezenove, segundo os que se obstinam em permanecer na margem terrena, nos patenteia todo um mundo, mundo bem mais importante para o homem, do que a América, porquanto nem todos os homens vão à América, ao passo que todos, sem exceção de nenhum, vão ao dos Espíritos, fazendo incessantes travessias de um para o outro”.[1]

Assim, tentamos preservar o sentido irônico da frase, grafando-a entre aspas em nosso título. No entanto, com a compreensão ampliada de que a loucura do Espiritismo se estabelece não somente pela ousadia de seguir adiante onde o Materialismo científico do século XIX estancou. Mas ainda, pelo fato de ousar fazer isto propondo uma síntese complexa de três conceitos, por si já complexos, no conceito único de Espiritismo. Além disto, reflete a idéia de que tal síntese proposta por Allan Kardec se radica inteiramente no século XIX e é uma resposta aos processos históricos que lhe são próprios.

Espero, com isso, poder dirimir qualquer mal-entendido que possa surgir em torno de minha escolha para o título deste trabalho.

Abraços!


[1] KARDEC, Allan. A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 2007, pp. 234-235.

1 comentários:

Vital Cruvinel disse...

Tá tudo bem esclarecido, Augusto!

Pra mim o título está muito bom, apropriado, e instigante.

Abraço!