Diz-se que Heráclito assim teria respondido aos estrangeiros vindos na intenção de observá-lo. Ao chegarem, viram-no aquecendo-se junto ao fogo. Ali permaneceram, de pé, (impressionados sobretudo porque) ele os encorajou a entrar, pronunciando as seguintes palavras: 'Mesmo aqui, os deuses também estão presentes'. (Aristóteles. De part. anim. , A5 645a 17ff).

quinta-feira, setembro 30, 2010

Lobby cristão e casamento gay

 

contardo calligaris

 

“As igrejas gostariam de uma sociedade em que seja crime tudo o que, para elas, é pecado", escreve Contardo Calligaris (foto), psicanalista, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 30-09-2010.

Eis o artigo.

"Em maio passado, durante uma visita ao santuário de Fátima, o papa Bento XVI declarou que o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo estão entre os mais "insidiosos e perigosos desafios ao bem comum".

Atualmente, quase todas as igrejas cristãs (curiosamente alinhadas com as posições do papa) negociam seu apoio aos candidatos à presidência cobrando posições contra a descriminalização do aborto e contra o casamento gay.

Em 2000, segundo o censo, havia, no Brasil, 125 milhões de católicos, 26 milhões de evangélicos e 12 milhões de sem religião. É lógico que os principais candidatos inventem jeitos de ficar, quanto mais possível, em cima do muro - tentando satisfazer o lobby cristão, mas sem alienar totalmente as simpatias de laicos, agnósticos e livres pensadores (minoritários, mas bastante presentes entre os formadores de opinião).

Adoraria que as campanhas eleitorais fossem mais corajosas, menos preocupadas em não contrariar quem pensa diferente do candidato. Adoraria também que soubéssemos votar sem exigir que nosso candidato pense exatamente como nós. Mas não é esse meu tema de hoje.

Voltemos à declaração do papa, que junta aborto e casamento gay numa mesma condenação e, claro, tenta pressionar os poderes públicos, mundo afora. Para ele, o que é pecado para a igreja deve ser também crime para o Estado.

No fundo, com poucas exceções, as igrejas almejam um Estado confessional, ou seja, querem que o Estado seja regido por leis conformes às normas da religião que elas professam. De novo, as igrejas gostariam de uma sociedade em que seja crime tudo o que, para elas, é pecado: o sonho escondido de qualquer Roma é Teerã ou a Cabul do Talibã.

Há práticas sexuais que você julga escandalosas? Está difícil reprimir sua própria conduta? Nenhum problema, a polícia dos costumes vigiará para que ninguém se dedique ao sexo oral, ao sexo anal ou a transar com camisinha.

Para se defender contra esse pesadelo (que, ele sim, é um "insidioso e perigoso desafio ao bem comum"), em princípio, o Estado laico evita conceber e promulgar leis só porque elas satisfariam os preceitos de uma confissão qualquer. As leis do Estado laico tentam valer por sua racionalidade própria, sem a ajuda de deus algum e de igreja alguma.

Por exemplo, é proibido roubar e matar, mas essa proibição não é justificada pelo fato de que essas condutas são estigmatizadas nas tábuas dos dez mandamentos bíblicos. Para proibir furtos e assassinatos, não é preciso recorrer a Deus, basta notar que esses atos limitam brutalmente a liberdade do outro (o assaltado ou o assassinado).

Agora, imaginemos que você se oponha ao casamento gay invocando a santidade do matrimônio. Se você acha que o casamento é um sacramento divino que só pode ser selado entre um homem e uma mulher, você tem sorte, pois vive numa democracia laica e sua liberdade é total: você poderá não se casar nunca com uma pessoa do mesmo sexo. Ou seja, você poderá manter quanto quiser a santidade e a sacramentalidade de SEU casamento.

Acha pouca coisa? Pense bem: você poderia ser cidadão de uma teocracia gay, na qual o Estado lhe imporia de casar com alguém do mesmo sexo.

Argumento bizarro? Nem tanto: quem ambiciona impor sua moral privada como legislação pública deveria sempre pensar seriamente na hipótese de a legislação pública ser moldada por uma outra moral privada, diferente da dele.

Parêntese: Se você acha que essa história de casamento gay é sem relevância, visto que a união estável já é permitida etc., leia "Histórias de Amor num País sem Lei. A Homoafetividade Vista pelos Tribunais - Casos Reais", de Sylvia Amaral(editora Scortecci).

PS. Sobre a dobradinha sugerida pela declaração do papa: talvez, para o pontífice, aborto e casamento gay sejam unidos na mesma condenação por serem ambos consequências da fraqueza da carne (que, obstinadamente, quer gozar sem se reproduzir).

Mas, numa perspectiva laica, a questão do aborto e de sua descriminalização não tem como ser resolvida pelas mesmas considerações que acabo de fazer para o casamento gay. Ou seja, não há como dizer: se você for contra, não faça, mas deixe abortar quem for a favor. Vou voltar ao assunto, apresentando alguns dilemas que talvez nos ajudem a pensar.

(Fonte: IHU Notícias)

quarta-feira, setembro 22, 2010

I Seminário Epistemológico de Estudo da Religião

 

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

Grupo de Pesquisa

Mythos-Logos: Religião, Mito e Espiritualidade


I Seminário Epistemológico do Estudo da Religião


7 e 8 de Outubro de 2010

Campus Universitário - UFRN

Natal/RN

Maiores informações clique aqui ou na imagem acima.

terça-feira, setembro 21, 2010

Sinais de avanço: teologia gay em português

 

Fé Além do Ressentimento
Fragmentos católicos em voz gay

Um livro de James Alison

(É Realizações Editora) 

fe-alem-do-ressentimento

Apresentação

J. B. Libanio
abril de 2010

Há apresentações de livro formais, comerciais e editoriais. Há aquelas que nascem da amizade. Há aquelas que se forjam baseadas no valor da obra. Distancio-me da primeira espécie para me fixar nas duas seguintes.

Conheci Alison quando fez teologia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte, tendo-o como aluno. Recordo-me de que, certa vez, no final de uma exposição, que eu fizera, sobre a abertura fundamental do ser humano para a Transcendência, inspirado por K. Rahner, ele se voltou para mim e disse: “Pura poesia!”. Naquela hora falou o inglês empírico, mas sem ocultar certa pitada de poesia. Já naqueles idos percebia que ali jazia enorme potencial cultural, que se desabrochou em teologia tão criativa como aparece no livro. Vale dele naquele tempo o provérbio latino: ex digito gigans. Pelo dedo se conhece o gigante.

Neste livro encontrei um poeta. Não romântico, nem lírico, nem elegíaco, mas aquele que deixa aflorar do profundo do ser experiências existenciais densas e as retrata num discurso impregnado de beleza, liberdade e sem ressentimento ou acidez polêmica.

Ele consegue, como poucas obras, já no título apresentar as teses fundamentais desenvolvidas. Quatro blocos: fé, além do ressentimento, fragmentos católicos, voz gay. Todos coerentemente articulados, profundamente elaborados, formam conjunto valioso.

É um livro que brota da fé. Alison trabalha com imensa originalidade textos e contextos bíblicos do Primeiro e do Segundo Testamento. Consegue, sem forçar a exegese, conduzir o leitor à profunda compreensão da passagem bíblica. Logo no primeiro capítulo, nos surpreende com releitura extremamente original e fecunda da cura do cego de nascimento. Escapa das interpretações comuns e conhecidas, introduzindo o leitor, com sutileza, em novo campo hermenêutico.

Recorre com frequência a João, a Paulo e a outros textos bíblicos para levar à reflexão. Entremeia com delicada fineza, leveza e sutileza elementos autobiográficos do processo de integração humana e espiritual de sua condição de homem gay com perspicaz leitura de textos bíblicos. Evita gerar no leitor extremos do sentimento de rejeição da condição gay ou de compaixão pela vítima ou de revolta contra o sistema social ou contra a máquina eclesiástica. Atravessam-lhe a obra transparência e honestidade do relato. Em qualquer situação existencial, gay ou não, o leitor se toca. A pessoa gay certamente encontra uma palavra de libertação, não pela via barata da contestação, mas por honesto processo reestruturante interno, baseado fundamentalmente na ação criativa e bondosa de Deus e apoiado por inúmeras passagens da Escritura feita em voz gay.

Alison, na introdução, refere-se à situação em que escreveu este livro, com dificuldade de acesso bibliográfico. Daí poucas citações. Honestamente, esse fator enriqueceu a obra. Não se trata de clássica obra acadêmica, mas de ensaio com toques geniais e originais. Esse tipo de escrito não necessita de carregar-se de outras autoridades. Vale por ele mesmo. Isso o autor passa com modéstia no livro.

Outro toque de genialidade está na postura básica de Alison. O livro desarma os batalhões que porventura viessem a formar-se em torno dele. Por ser tema delicado e de difícil manuseio no mundo eclesiástico, seria previsível que se travasse em volta do livro a batalha entre os que o atacariam como desrespeitoso das normas eclesiásticas e os que o defenderiam precisamente por isso. No entanto, Alison toma distância dessas duas posturas como situações a serem superadas por profunda conversão evangélica. Ambas cairiam na mesma armadilha. Não se trata de fazer das pessoas gays vítimas e cerrar fileiras ao seu lado contra o aparato eclesiástico, nem também de posicionar-se como defensor deste em nome da lei e da norma, sem alcançar o espírito íntimo do cristianismo.

Ambas as posturas refletem ressentimento. E a opção de base de Alison reside precisamente na superação do ressentimento. Já o pratica na própria maneira de conduzir o tema e na releitura de suas experiências de vida, não raro duras, pesadas e traumáticas. E ele o faz, não por uma simples terapia de autoconfiança e de relativização da posição do outro, mas por lento trabalho interior de reconstrução dos escombros da vida pela força da experiência de Deus, que cria e ama. Logo no início, faz tocante leitura de José, do Egito, vendido por seus irmãos e naturalmente posto em situação de ressentimento, e de como ele a superou por generosidade bem arquitetada para proteger os irmãos criminosos em relação a ele. Aparecem já as primeiras intuições sobre essa categoria básica do livro.

Ressentimento não se supera com luta, com batalhas contra ou em defesa de alguma posição julgada errada tanto pelos que rejeitam o mundo homossexual quanto pelos que o defendem. Não vai por aí. Mesmo o mais intransigente inquisidor se sente tocado e questionado pelo livro. Solapa-lhe a base inquisitorial.

Alison conhece profundamente o pensamento de René Girard. Mais.

Girard se lhe transformou num companheiro de caminhada pelos meandros da fé cristã. Fê-lo perceber como, entre nós, funciona uma lógica de culpar a vítima. Jesus fez explodir o ciclo vitimário. Alison, no caso tratado, evita que tanto a pessoa gay como o conjunto eclesiástico sejam vistos como vítimas de ataques opostos. A reflexão vai na linha da superação de tal lógica, nada evangélica. Pelo contrário, Jesus procura inserir a todos na fraternidade inclusiva, universal de filhos de Deus. Só nessa perspectiva se vence esse jogo perigoso. A essa fraternidade se opõe uma fraternidade excludente, fratricida, de Caim a respeito de Abel, que reivindica uma paternidade exclusiva e excludente. Esta se baseia no biológico, no cultural, enquanto a de Jesus, na gratuidade do dom de Deus que nos quer todos irmãos. Com efeito, existe uma natureza fratricida na cultura humana, que atua por meio de muitas instâncias particulares, de que a máquina eclesiástica não se faz exceção. Sob essa ótica, Alison analisa várias das discussões de Jesus com os judeus, como nos relatam João e outras passagens da Escritura, como a saga de Jacó e José, a história de Jonas etc. E ele vê como tarefa cristã começar a desmontar os efeitos da fraternidade violenta em nossa vida e na dos outros. Implica a capacidade de ir mais além de uma montanha de coisas que nos pareciam sagradas e paternas no nosso ambiente familiar, cultural, geográfico, político e religioso. A libertação vem da dupla experiência de sentir-se filho amado de Deus e de poder dizer “nós” numa comunidade de irmãos em Igreja, sinal de um Reino apenas imaginável.

O discurso eclesiástico, que considera algum grupo de pessoa como “os outros”, separando-os do corpo eclesial, gera vítimas. Deus criador de todos, a quem ama incondicionalmente e que nos fala como a irmãos em seu Filho Jesus, refuga os mecanismos geradores da exclusão em nome da inclusão querida por ele. Alison chega a afirmar que “o que é pecado é a própria participação no mecanismo de exclusão, e não o defeito que provoca essa exclusão”. Nessa dinâmica se situa o livro.

O subtítulo fala de fragmentos católicos. Sinaliza a natureza das considerações expostas. Alison considera que corresponde à teologia do atual

milênio um caráter fragmentário. Os sistemas poderosos, bem construídos e fechados, cederão espaço a estudos a partir de óticas muito diferenciadas. Nenhuma delas conseguirá impor-se na sua exclusividade e totalidade, mas contribuirá com parcela de uma contínua busca do projeto salvador de Deus.

O adjetivo “católico” não pareceu a Alison algo evidente. Duvida se lhe cabe a categoria de “católico romano” ou simplesmente de cristão. Teologicamente falando, parece correto afirmar que todo elemento cristão tem cidadania no mundo católico, se não por convicção da instituição eclesiástica, ao menos por força da vontade de Jesus. Quem está com Jesus não deveria sentir-se fora da casa católica. No entanto, sabemos que o termo “católico” se restringe, não raramente, ao universo institucional, que não consegue fidelidade absoluta ao evangélico e por isso pode pecar pelos dois lados. Ora afirmar como evangélico o que não é, ora rejeitar como não evangélico o que é. Por isso, reflexão como esta de Alison ajuda a purificar o termo “católico” do peso institucional para lhe dar a leveza evangélica.

No discurso, essa afirmação goza de unanimidade. Quando o Concílio Vaticano II afirma a realidade da Igreja como santa e pecadora, no fundo, está dizendo o mesmo. Como santa, cabe-lhe perceber a realidade evangélica. Como pecadora, falha na dupla percepção aludida. Com a pluralidade de discursos teológicos, supera-se o quadro rígido que impõe única regra e medida da verdade e busca-se a fraternidade dos irmãos. A verdadeira natureza de Deus se descobre não por meio da verticalidade de uma paternidade que se impõe, mas pela horizontalidade de uma fraternidade que se vive. Essa ideia volta sob muitos aspectos como fundamental da leitura cristã de Deus.

“Em voz gay” oferece a maior originalidade e coragem da obra. Quando a teologia da libertação levantou a pretensão de produzir uma teologia diferente da teologia europeia, até então considerada “a teologia”, houve mal-estar, que perdura até hoje, em círculos acadêmicos e eclesiásticos. Alison ousa mais. Escolhe a voz gay para ler textos e passagens bíblicas, para analisar situações concretas. Enfrenta a posição moral tradicional da ordem da criação, que exclui todo comportamento que a contrarie como heterodoxo em nome de outra compreensão de Deus e da criação em Cristo.

Ele o faz sem ressentimento, sem radicalismo. Impressiona a lucidez das reflexões. Questionam a todos, inclusive os próprios defensores ardorosos e reivindicadores da causa gay contra certa moral e práxis eclesiástica tradicional. O livro não entra por esse caminho. Ele trabalha a dinâmica eucarística da fé católica que evolui de uma concepção corporativa excludente dos estranhos, passando por um momento de ressentimento antifarisaico em relação aos sujeitos da exclusão, até sua superação, e a da distinção entre nós e os outros numa igualdade de coração em força do amor recriador de Deus manifestado em Jesus.

Em relação às pessoas gays, oferece-lhes o reencontro com uma dignidade que, em última análise, lhes vem de Deus e que ninguém tem o direito de negar. Teme que a vida da maioria das pessoas gays esteja inundada de vergonha e orgulho. A vergonha leva-as a fugir de si mesmas antes do tempo, e o orgulho obriga-as a exibir-se antes do tempo. Quando se está em luta consigo mesmo e com os demais, projeta-se essa violência sobre os outros. Aos opositores, Alison mostra-lhes a pouca percepção de exigências profundas da Escritura. Não os combate. Analisa os pressupostos, os mundos subterrâneos, inconfessados e não falados, para lançar luzes oriundas da própria Palavra de Deus.

No decorrer do livro, o leitor detecta como muitas atitudes e escritos eclesiásticos não respondem a gestos, palavras e atitudes de Jesus. Alison o mostra por fidelidade à mensagem evangélica e não em nome de algum confronto. Um dos pontos fundamentais dessa obra consistiu em pensar teologicamente em voz gay, sem ressentimento nem proselitismo, mas de maneira serena, fina e profunda. Se há algo duro, não vem do discurso, mas da própria objetividade da realidade.

É um livro inaugural. Leva-nos todos a pensar. Tira-nos do clima ainda reinante em muitos lugares de polêmica e de combate quando se trata dessa questão de homossexualidade. Não o faz por nenhum laxismo moral, mas com a fineza de quem mostra traços evangélicos iluminadores. O leitor tem o direito de discordar, naturalmente, da posição pessoal do autor, mas dificilmente deixará de reconhecer a possibilidade hermenêutica da voz escolhida e sua capacidade de, a partir dela, trazer pontos importantes da compreensão da mensagem evangélica.

Na antítese de tal mensagem está a violência física e simbólica. Esta tem atravessado a polêmica sobre a sexualidade de ambas as partes. Os que acusam criam as vítimas, executam-nas física ou simbolicamente, e os que se associam a elas ou elas mesmas o fazem em linha oposta. Alison persegue precisamente uma reflexão que supere essa violência e possibilite um lugar de encontro em vez de rivalidade. Textos escriturísticos que, à primeira vista, pareceriam secundar tal violência, relê-os noutra perspectiva, mostrando inesperado sentido não explorado. Tece uma imagem de Deus fora do reino da violência, da reivindicação, da vingança, do “toma lá dá cá”, da rivalidade, do “olho por olho”. Um Deus situado nesse universo seria mesquinho. Muito próximo de nós, mas pouco Deus. Pelo contrário, Ele é aquele que preconiza a gratuidade e aspira à vida integrada dos seres humanos, e não excluída, vitimada, separada.

Nesta introdução expus algumas poucas ideias-chave de Alison, deixando ao leitor a oportunidade de avançar nelas e enriquecer-se com a leitura do livro. Não o compreenderá quem já se posicionou rígida e ortodoxamente num dos dois campos de batalha, tanto na vitimização das pessoas gays quanto na defesa ressentida de tanta discriminação. Não teria entendido o livro alguém que o interpretasse como uma defesa de qualquer prática sexual ou da relativização do crime de pedofilia que tem agitado tanto a imprensa mundial. Está em questão a dignidade das relações humanas de amor, possíveis no duplo mundo heterossexual e gay, como o contrário também. O livro faz jus ao título: “fé além do ressentimento”. O mínimo que se pode dizer desta obra é que foi escrita por alguém de trabalhada e profunda maturidade humana unida à experiência de fé livre e sempre aberta a caminhar. A todo o texto preside a convicção vivida de que o amor de Deus excede a todo desenho humano e não há diferença que esteja fora do longo e amoroso olhar de Deus.

 

O Autor

JamesAlison

James Alison

James Alison (Londres, 1959) é teólogo católico, sacerdote e escritor. Estudou em Oxford e é doutor pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte. É considerado um dos principais expositores da vertente teológica inspirada no pensador francês, crítico literário e teórico do desejo René Girard, e é atualmente um “Fellow” da Imitatio, fundação que apoia a divulgação do pensamento de Girard (www.imitatio.org).

Além de ser acima de tudo um teólogo sistemático, James Alison é, há mais de quinze anos, um dos raros padres e teólogos católicos assumidamente gays. Seu trabalho é respeitado internacionalmente pelo caminho rigoroso e matizado que vem abrindo nesse campo minado da vida eclesiástica. Dos sete livros que publicou, vários já foram traduzidos para o espanhol, italiano, francês, holandês e russo, e este é o primeiro a sair em língua portuguesa.

Seus próximos projetos, além das viagens por todo o mundo para conferências, palestras e retiros, incluem a divulgação em texto e DVD de um curso, de doze sessões, de introdução adulta à fé cristã, que ele vem ministrando em vários países nos últimos anos, e o incentivo a uma pastoral gay no centro da cidade de São Paulo, onde ele reside. Textos seus em vários idiomas podem ser encontrados no site www.jamesalison.co.uk.

quarta-feira, setembro 15, 2010

Caminhando pela tolerância

 

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Para maiores informações basta clicar no cartaz acima.

Abertas inscrições para o processo seletivo do Mestrado e Doutorado em Ciências da Religião da PUC Goiás

 

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O Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Goiás visa o estudo do fenômeno religioso e suas manifestações, analisados à luz das diversas ciências, tais como literatura, sociologia, teologia, filosofia, antropologia etc. e objetiva formar profissionais para o ensino superior, pesquisa, assessoria, consultoria, dentre outras funções.

Informamos que as inscrições ao Processo Seletivo Discente para o Mestrado em Ciências da Religião e para o Doutorado em Ciências da Religião estão abertas até o dia 22 de outubro de 2010. As provas serão realizadas nos dias 16 e 17 de novembro de 2010 e as entrevistas nos dias 23 e 24 de novembro de 2010.

O Edital com as informações detalhadas está disponível aqui. Mais informações pelo telefone: (62) 3946-1673 ou pelo e-mail: pcr@pucgoias.edu.br.

Para maiores informações sobre o Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da PUC Goiás, clique na imagem acima.

Anais do 23º Congresso Internacional SOTER 2010

 

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Acaba de ser lançada a edição virtual dos Anais do 23ª Congresso Internacional da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER) com o texto integral das Comunicações apresentadas nos 14 Grupos Temáticos.

O Congresso ocorreu nas dependências da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), em Belo Horizonte, entre os dias 12 e 15 de julho passado; com o tema: “Religiões e Paz Mundial”.

Segundo palavras do Prof. Dr. Afonso Maria Ligorio Soares  (PUC/SP), Presidente da Comissão Organizadora do 23º Congresso Internacional da Soter, na apresentação destes Anais:

Este documento destina-se a todos os associados e associadas da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião, mas também a todo e qualquer pesquisador, professor, estudante universitário, e demais interessados no tema proposto. Ademais, já serve de preparação para o tema do próximo Congresso da Soter, em 2011. Em vista dos desafios para a construção de uma paz mundial que contempla o papel e a colaboração das religiões, a Assembleia da Soter decidiu discutir em seu 24º Congresso a relação entre Religião, Educação e Cidadania.

A quem interessar: o livro deste ano, bem como os de 2009 e 2008, poderão ser acessados na página da Ciberteologia - Revista de Teologia e Cultura.

Tive a oportunidade de participar da última edição com a Comunicação: O Espiritismo segundo Allan Kardec: um médium para a tradição cristã, que foi apresentada no GT 3: A Bíblia e suas Leituras.

segunda-feira, setembro 13, 2010

Que tal um passeio pela Barcelona de 1908?

 

 

Esse e outros vídeos antigos e contemporâneos estão disponíveis da Time Machine do site YTTM Alpha. Vale conferir!

domingo, setembro 12, 2010

Abertas as inscrições para o V Congresso da ABEH

 

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História

A Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH) é uma entidade sem fins lucrativos, que tem como principal proposta fomentar e realizar intercâmbios e pesquisas sobre homossexualidade, homoerotismo, estudos gays e lésbicos, bissexuais, transgêneros e teoria queer. Ela congrega professores, alunos de graduação e pós-graduação, profissionais, pesquisadores e demais interessados.

De 1999 a 2001, os Professores Doutores Mario César Lugarinho (professor da UFF até 2007 e atualmente professor de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa da USP) e José Carlos Barcellos, organizaram, em Niterói/RJ, três encontros científicos anuais em torno do tema “Literatura e Homoerotismo”, a partir dos quais, em 2001, foi fundada a Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (ABEH). Os encontros de Niterói congregaram cerca de 65 doutores, brasileiros e estrangeiros.

Objetivos da ABEH:
Promover o desenvolvimento de um pensamento crítico sobre a homocultura, mediante o estímulo à pesquisa e ao debate acadêmico, à troca de experiências entre pesquisadores e demais interessados;

Criar um fórum permanente de debate para discussão e intercâmbio, nacional e internacional, de experiências sobre visibilidade de diferentes expressões e discursos da homocultura no Brasil e no mundo;

Estimular pesquisadores universitários, de diferentes áreas e instituições acadêmicas, no intuito de construir saberes interdisciplinares, incorporando várias áreas do conhecimento nas discussões sobre homocultura;

Congregar e fomentar pesquisadores provenientes de universidades brasileiras que trabalham a temática da homocultura;

Contribuir para o desenvolvimento e manutenção dos estudos científicos, interessados nas políticas educacionais e sociais, em favor das minorias sexuais no Brasil.

Tendo sido fundada a associação, os congressos tornaram-se bianuais e passaram, aos moldes de outras associações como ABRALIC, ANPOLL, ANPHU, SOCINE e ABRAPLIP,  a serem sediados em diversas IES do país, a saber:

- I Congresso da ABEH – “Homocultura e Cidadania”,  UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), em  2002, sob a presidência do Prof. Dr. Deneval Siqueira, da Área de Literatura Brasileira e Teoria Literária;

- II Congresso da ABEH – “Imagem e diversidade sexual” – UnB (Universidade de Brasília), em 2004, sob a presidência do Prof. Dr. Denílson Lopes, da área de Comunicação Social/Cinema;

- III Congresso da ABEH – “Discursos da diversidade sexual: lugares, saberes, linguagens”, UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em 2006, sob a presidência do Prof. Dr. Bruno Leal, da Área de Comunicação Social/Jornalismo;

- IV Congresso da ABEH – “Retratos do Brasil Homossexual: fronteiras, subjetividades e desejos”, USP (Universidade de São Paulo), em  2008, sob a presidência do Prof. Dr. Horácio Costa, da Área de Literatura Portuguesa.

- V Congresso da ABEH – “Desejos, Controles e Identidades”, UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), em 2010, sob a presidência do Prof. Dr. Alípio de Sousa Filho.

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Para maiores informações sobre o V Congresso da ABEH (inscrições, submissão de trabalhos, hospedagem, programação, etc) clique na imagem acima ou aqui.

quinta-feira, setembro 09, 2010

HORIZONTE, VOL. 8, Nº. 16 - JAN./MAR. 2010 (EM EDIÇÃO)

 

PENSAMENTO PÓS-METAFÍSICO E DISCURSO SOBRE DEUS

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Saiu hoje a publicação do VOL. 8, Nº. 16 - JAN./MAR. 2010  da Horizonte – Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião da PUC-Minas. O dossiê temático, intitulado “Pensamento Pós-metafísico e discurso sobre Deus”, é de altíssimo nível.

O número ainda está em edição, o que significa que a paginação ainda poderá ser modificada e algumas outras modificações poderão ocorrer. Mas, para quem se interessar, os artigos até o momento publicados podem ser acessados aqui, ou clicando na imagem acima.

Aproveito para divulgar um artigo meu que está incluso nesse número da Revista. Segue abaixo o Resumo e o link para acesso ao texto completo.

Um abraço:

A.

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IDENTIDADE E FRONTEIRAS DO ESPIRITISMO NA OBRA DE ALLAN KARDEC (IDENTITY AND BOUNDARIES OF SPIRITISM IN THE ALLAN KARDEC’S WORKS)

Augusto César Dias de Araujo

RESUMO

Este artigo é uma reflexão sobre o processo de formação identitária do espiritismo a partir da análise de seu discurso fundador presente na obra de Allan Kardec (1804-1869). Para cumprir este objetivo, trabalhar-se-á com a hipótese de que tal processo acontece a partir de uma peculiar interação do espiritismo com três instâncias de conhecimento: a ciência, a filosofia e a religião. Através da análise do exemplo específico de como o espiritismo interpreta elementos da tradição cristã-católica, dando-lhes um significado renovado, pretende-se demonstrar que neste jogo, o conceito de espiritismo se configura como um conceito híbrido, de caráter polissêmico, o qual aponta para o fato de que a nova doutrina e o movimento articulado em seu entorno nascem sob o signo da mediação. Tais reflexões indicariam que, ao fazerem referência à obra de Kardec como núcleo imaginário de identificação doutrinária, grupos das diversas tendências dentro do espiritismo contemporâneo podem encontrar relativas zonas de conforto para seu progressivo desenvolvimento.

Palavras-chave: Espiritismo. Ciência. Filosofia. Religião. Fronteiras.

O artigo pode ser lido, na íntegra, aqui.

terça-feira, setembro 07, 2010

Seleção 2011 do Mestrado em Ciências da Religião – PUC Minas

 

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O Programa de Pós-graduação strictu-sensu  em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) abriu inscrições para o processo seletivo destinado ao preenchimento de vagas para o ano letivo de 2011, do curso de Mestrado em Ciências da Religião, tendo como área de concentração “Religião e Cultura”, no período de 01/09 a 22/10/2010.

O site do Programa, para maiores informações pode ser acessado clicando na imagem acima, ou aqui.

Leia o Edital completo.

Curiosidade histórica

 

Retrato de Kardec aos 25 anos - um equívoco?
Sônia Zaghetto

(Fonte: Estudando Kardec)

 

 

Uma das mais famosas imagens de Allan Kardec pode não retratar o Codificador do Espiritismo. O desenho que mostraria Kardec aos 25 anos de idade provavelmente é um auto-retrato do pintor francês Raymond Auguste Quinsac Monvoisin (1790 - 1870).

(O texto, na íntegra, pode ser lido aqui)

 

Nota:

Recentemente, no post, Ler, traduzir, interpretar Kardec - Parte III, publiquei a imagem abaixo, abaixo da qual se pode ler: “O Prof. Denizard Hipployte Léon Rivail quando iniciava em Paris a sua carreira pedagógica.

 

ALLAN KARDEC JOVEM

 

Não se pode deixar de perceber a semelhança com a primeira imagem que é de um auto-retrato de Monvoisin. Compare-se, ainda, nossa imagem com a que se encontra junto à biografia do artista no site da Biblioteca Museo Nacional de Bellas Artes do Chile. O texto de Sônia Zaghetto explica como pode ter se dado a confusão, e vale à pena ser lido.

Um abraço:

A.

segunda-feira, setembro 06, 2010

Revista IHU On-Line – 342 põe em discussão a Filosofia Escolástica e seu diálogo com a Modernidade

 

Escolástica. Uma filosofia em diálogo com a modernidade é o tema de capa da edição 342 da IHU On-Line. Contribuem para o debate João Madeira, Paula Oliveira e Silva, Jorge Alejandro Tellkamp, Alessandro Ghisalberti, Alfredo Culleton, Francisco Suarez, Giuseppe Tosi, Alfredo Storck, Luís Alberto De Boni, José Luís Herreros, Santiago Orrego, Ludger Honnefelder, Jacob Schmutz, Jaqueline Hamesse e Angel Poncela González.

 

capa revista ihu escolástica

Editorial

A realização do 17º Colóquio Anual Direito e Natureza na primeira e na segunda escolástica, da Sociedade Internacional para Estudos da Filosofia Medieval (SIEPM), inspira a edição desta semana da IHU On-Line a debater essa importante corrente filosófica da Idade Média.

Entrevistamos vários dos conferencistas do evento. Na opinião do filósofo João Madeira, da UFMS, existe uma relação entre alguns postulados da escolástica e os direitos humanos. Paula Oliveira e Silva, da Universidade do Porto, analisa as ligações entre o ius gentium, o direito das gentes, e a Segunda Escolástica. O conceito de domínio na escolástica espanhola é o tema de Jorge Alejandro Tellkamp, que leciona na Universidade Nacional Autônoma do México. Alessandro Ghisalberti, professor de História da Filosofia Medieval na Faculdade de Letras e Filosofia da  Universidade Católica del Sacro Cuore de Milão, examina a influência de Ockham na Segunda Escolástica, e percebe reflexos desse pensador na filosofia moral de Kant. Alfredo Culleton, professor do PPG em Filosofia da Unisinos e organizador do evento, menciona que a filosofia do jesuíta Francisco Suarez foi a base dos atuais direitos humanos. O filósofo Giuseppe Tosi, professor de filosofia na Universidade Federal da Paraíba, debate o legado de Bartolomeu de Las Casas, que considera o primeiro teólogo e filósofo da libertação. O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alfredo Storck, fala sobre o ser humano repensado pela escolástica. Para Luís Alberto De Boni, os “velhos escolásticos” continuam presentes.

Também contribuem na discussão do tema central desta edição os pesquisadores José Luís Herreros, Santiago Orrego, Ludger Honnefelder, Jacob Schmutz, professor de filosofia na Universidade Paris-Sorbonne (Paris-IV) e diretor dos estudos de filosofia e sociologia na nova Universidade Paris-Sorbonne Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, a pesquisadora Jaqueline Hamesse, e o filósofo espanhol Angel Poncela González.

A Revista pode ser acessada, na íntegra, através do link: IHU On-Line.

quinta-feira, setembro 02, 2010

Ler, traduzir, interpretar Kardec: alguns esclarecimentos necessários

 

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Diante das diversas manifestações acerca de meus artigos recentemente publicados - Allan Kardec: o autor da doutrina dos espíritos?; Ler, traduzir, interpretar Kardec (Parte I, Parte II e Parte III) -, creio serem necessários alguns esclarecimentos e comentários, sobretudo, no que toca aos pontos controversos na tese ali defendida.

Em primeiro lugar, algumas palavras sobre o título do artigo Allan Kardec: o autor da doutrina dos espíritos?. Como é impossível deixar de notar esse título abriga uma contradição: se a doutrina é dos Espíritos como poderia Kardec ser seu autor? A contradição foi assumida intencionalmente para demonstrar que não desconheço ou ignoro as recorrentes declarações de Kardec nas quais ele atribui aos Espíritos, e não a si, a autoria da doutrina. Na verdade, mesmo diante de tais assertivas, defendo a tese oposta: Kardec é, de fato, o autor, criador da doutrina espírita. Como espero ter ficado claro na série “Ler, traduzir, interpretar Kardec”, a contradição preservada no título do primeiro artigo representa um dilema que o próprio Kardec parece viver ao longo do tempo em que se dedicou à elaboração doutrinária. Um dilema, cujo pivô, é a insistência em classificar o Espiritismo como uma ciência nos moldes da ciência positivista e de acordo com a agenda metodológica do Iluminismo, que previa como critério da validade de qualquer conhecimento que se pretendesse científico, a suspensão de todo pressuposto (ou teoria preconcebida, para permanecermos no léxico kardeciano).

Outro ponto que merece um esclarecimento: ao afirmar que em todo e qualquer empreendimento interpretativo – e sustento a tese de que Kardec estabeleceu os princípios doutrinários do Espiritismo por meio de um empreendimento desses – há sempre uma expectativa de sentido, isso não significa que tal expectativa seja sempre confirmada ao final do processo hermenêutico. Ao contrário, o fenômeno hermenêutico se desenvolve exclusivamente na interação entre a expectativa de sentido do intérprete e o horizonte de sentidos possíveis ofertados pelo texto a ser interpretado. Assim, há interpretações legítimas e ilegítimas. Uma interpretação ilegítima se dá quando as possibilidades de sentido de um texto são violadas para atender à expectativa de sentido projetada sobre ele pelo intérprete. Por outro lado, na interpretação legítima – que não é a mera descrição do que há no texto, ou a descoberta da intenção do autor, mas um ato criativo de atualização de sentido – a expectativa de sentido do leitor-intérprete e o horizonte de sentidos dado pelo texto se fundem e se modificam mutuamente. Cada nova interpretação acrescenta sentidos ao texto, e, simultaneamente, o intérprete reescreve sua expectativa de sentido. Assim, penso, se deu com Kardec e suas fontes.

No entanto, a expectativa de sentido do intérprete se dá não apenas em termos de um conteúdo específico que se espera encontrar no texto a ser interpretado. E este é um ponto que, creio, não ficou muito claro em meus textos. Na verdade, há uma expectativa de que o texto a ser interpretado responda a questões de fundo não tematizadas, muitas vezes não assumidas claramente, mas que direcionam a leitura. Assim, por exemplo, Kardec afirma em A minha primeira iniciação no espiritismo que diante dos fenômenos que contemplava, entreviu a solução para o obscuro e controverso problema do passado e do futuro da humanidade. Uma solução que, conforme ele mesmo diz, procurara por toda a sua vida. Ora, se Kardec buscava, antes de se encontrar com os fenômenos mediúnicos, a solução para tal problema; e, ao se confrontar com tais fenômenos, entreviu a possibilidade de uma resposta, é natural que sua busca tenha determinado em grande medida sua abordagem do fenômeno e influenciado suas conclusões.

Analisar essa predisposição de Kardec na busca de uma solução para o problema que lhe ocupara toda a vida, é um trabalho ainda por ser feito. Minha hipótese é que no fundo esta questão pode revelar-nos algo importante sobre a “experiência originária” a partir da qual a doutrina espírita surge e pode se sustentar ao longo do século XIX, nos moldes do que foi idealizado por Kardec. Essa “experiência”, que não é a “experiência do fenômeno mediúnico”, mas uma “experiência com o tempo em que se vive”, com sua época histórica e as questões que a sustentam, para mim é a chave para compreender a busca prévia que move Kardec na criação de uma doutrina filosófica capaz de solucionar problemas que nenhuma outra filosofia, até ali, pudera solucionar.

Mas, pode-se questionar: com isso a doutrina não estaria datada, circunscrita às circunstâncias históricas do século XIX e, com ele, já não teria prescrito? Se é assim, como se explica, no entanto, que ainda hoje essa mesma doutrina ainda fale aos homens e mulheres do século XXI?

A resposta é simples: é preciso não se esquecer que o Espiritismo não é apenas uma doutrina. Mas que, em torno a essa doutrina formou-se um movimento social de feição variada, que tem sua maior expressão histórica em terras brasileiras. Aqui, no Brasil, por razões que já foram muitíssimo discutidas por sociólogos, antropólogos e historiadores, o movimento espírita tomou configuração própria, embora continue a apontar para a obra kardeciana como “[…] polo simbólico de identificação comum, a despeito dos diversos modos de vivenciar o espiritismo”, como disse o antropólogo Bernardo Lewgoy.

Embora seja necessário ressaltar que nunca houve no seio do movimento espírita uma tradição de interpretação sistemática da obra kardeciana – embora tenha havido esforços isolados nesse sentido – , é inegável que, não importa se os adeptos digam que o Espiritismo é uma religião, ou apenas ciência e filosofia; sempre que o fazem, indicam a obra kardeciana como referência de autoridade para sustentar sua tese. E, assim, cunhou-se um costume generalizado de utilização dessa obra para se fundamentar apologeticamente (e, muitas vezes, dogmaticamente) expectativas de sentido que não respeitam o texto e seu contexto, nem o horizonte dos sentidos por ele oferecido.

Justamente as reinvenções históricas dos sentidos do texto, as apropriações que o movimento espírita fez da obra kardeciana ao longo do tempo, sua “complementação” a partir das chamadas “obras suplementares”, etc.; não permitiram que a obra de Kardec se esgotasse, ao menos no Brasil, junto com as circunstâncias que a produziram. Assim, a conversão da obra kardeciana em texto-fonte (ou “polo simbólico”), gerador contínuo de identidade para os diversos modos de ser espírita que se desenvolveram historicamente, e não qualquer pretensa supra-historicidade da doutrina, transformaram essa mesma obra de um texto datado em um texto revelador de novos sentidos e capaz de perdurar na história.

Por isso, para mim, toda a polêmica suscitada por alguns setores do movimento espírita na atualidade, sobre a necessidade de se atualizar Kardec, parece-me absolutamente fora de propósito. Pois, se até hoje Kardec e sua obra não viessem sendo atualizados – com renovadas leituras e apropriações – teriam se tornado meras relíquias de um passado recente.

No entanto, tenho pensado muito sobre isso, é necessário – diria mesmo urgente – ao movimento espírita superar o positivismo kardeciano. Não como se tem feito: tentando transformar Kardec e sua doutrina em precursores das novas descobertas científicas; forçando o texto para que diga o que não pode dizer. Ou simplesmente apregoando um retorno à fontes para encontrar a ilusória “pureza doutrinária”. Mas, redescobrindo aquela experiência originária da qual partiu Kardec e abrindo-se para sua própria experiência originária, ir além de Kardec, sem, contudo abandoná-lo.