Diz-se que Heráclito assim teria respondido aos estrangeiros vindos na intenção de observá-lo. Ao chegarem, viram-no aquecendo-se junto ao fogo. Ali permaneceram, de pé, (impressionados sobretudo porque) ele os encorajou a entrar, pronunciando as seguintes palavras: 'Mesmo aqui, os deuses também estão presentes'. (Aristóteles. De part. anim. , A5 645a 17ff).

quinta-feira, maio 05, 2011

Ela é minha irmã: uma homenagem.

 

beobp-39-180x180

 

Há alguns dias uma jovem cometeu suicídio ao saltar da janela de seu apartamento, no centro de Campina Grande (PB). Segundo informações, a moça sofria de um quadro grave de depressão e estava sob tratamento. Ainda de acordo com as informações a que tive acesso, tudo se passou em apenas um minuto de distração: a pessoa que estava com ela no momento apenas se virou para desligar o fogão aceso, e quando se voltou a jovem já estava pulando pela janela.

Esse fato me trouxe algumas memórias e muitas reflexões. Em 2007 eu mesmo me vi preso a um quadro depressivo moderado que, felizmente, foi revertido com o auxílio de medicação e terapia. E quando soube da notícia, imediatamente me solidarizei com a menina que não teve a mesma possibilidade.

Apenas quem já esteve em depressão pode compreender o sofrimento de alguém nessa situação. Isso porque, para quem está de fora parece inexplicável que uma pessoa que vive cercada de afeto da família e dos amigos, que não enfrenta grandes problemas objetivos, que foi bem educado, etc.; possa tornar-se vítima de dor tão intensa que justifique escolher a morte como saída.

Isso se dá porque, infelizmente, para muitos ainda, a depressão acontece por algo como uma "falha de caráter". Para muitos a pessoa em depressão é um fraco, alguém que não sabe apreciar as coisas boas da vida e se centra apenas em seu sofrimento egoísta. Muitos ainda desconhecem as causas orgânicas deste mal. E, mais, por não haverem - felizmente - vivido o mesmo quadro, embora se preocupem com aqueles que passam por isso, não podem compreender como pode ser real aquele sofrimento, aquela dor, que existe apenas para quem a sofre.

Desde que soube o que havia acontecido com essa jovem, de quem não sei nem mesmo o nome, passei a me sentir estreitamente ligado a ela. Não como algo místico, ou mediúnico, me entendam. Ligo-me a ela por um laço fraterno: o sofrimento nos tornou irmãos.

Como eu disse, sei como é ser tomado por uma dor que você mesmo é incapaz de explicar. Sei como tal sofrimento, que para os outros parece imaginário, para quem o padece torna-se a única realidade. Sei o que é desejar dormir e nunca mais acordar. Sei como a morte se apresenta como a única saída capaz de fazer cessar a dor.

Depois de refletir sobre todas essas coisas, pude perceber o quanto próximo estou dessa jovem mulher, o quanto passei a amá-la em seu sofrimento. Ela é minha irmã, a quem rendo, aqui, minha homenagem.

5 comentários:

Rosângela Oliveira disse...

Augusto querido...
Suas palavras são as mais sensatas que já ouvi a respeito do assunto, "depressão".
Só para completar, existem pessoas que têm vergonha de dizer que vivenciam ou já vivenciaram este tipo de mal.
Espero que se conforte no infinito amor de Deus...
Ao olhar uma bela paisagem... pense nesta jovem.
Tente reparar nas coisas que quase não nos chamam mais a atenção... flores, arbustos, animais, um bom livro, uma boa conversa, o silêncio edificante, a oração, o magnífico Céu de anil... ou chuvoso, a água cristalina, a comida que temos em nossa mesa... são situações que quase já não nos convocam mais a desfrutá-las.
Em tudo, pense com carinho na jovem que nao teve a mesma "sorte" sua... e vá exteriorizando esses pensamentos. Tudo para fora... a fim de que ela seja situada em algum lugar em que possa descansar, refletir e encontrar mãos amigas a direcioná-la.
Me emocionei com seu texto...
Muita luz e muita paz, neste seu dia.
Beijos

Vital Cruvinel disse...

Olá, Augusto!

Muito emocionante o seu texto. Especialmente para mim que tenho um irmão que se suicidou aos 16 anos (a 18 anos atrás).

No seu bilhete de despedida estava escrito mais ou menos assim:

"Entre o céu e a terra ou aonde quer que eu esteja amo e sempre amarei as pessoas que me amaram.

Estou partindo de uma forma talvez precipitada pois para mim esta existência não vale a angústia de viver."

Abraço!

Augusto Araujo disse...

Querido Vital:

Mais emocionante ainda seu testemunho. Ele representa o outro lado da história: a dor dos que ficam. Dor à qual sou igualmente solidário.

Obrigado por compartilhar seu coração! Muito obrigado.

A partir de hoje, também seu irmão é meu irmão.

Por favor, receba meu abraço e amizade.

Joao Donha disse...

Augusto,

A empatia que você demonstra em textos como este e o anterior é o que eu vejo como sintonia perfeita entre razão e sensibilidade.
Abraços. João.

Artsy disse...

Perfeito este post. Eu poderia assinar embaixo dele. Você falou aqui sobre algo que eu já pensei: só quem já teve depressão é que pode ter uma noção, uma dimensão do que isso significa. Não adianta nem tentar descrever. Me preocupa e desagrada a leviandade com que muitas pessoas tratam o tema, às vezes quase culpando quem está sofrendo com o problema. Há casos e casos, mas acreditem: sempre há solução - juro! - por mais que pareça impossível acreditar nisso quando estamos no fundo do poço. Portanto, muito bom o post, e assim como vc, eu me solidarizo com ela e com qualquer pessoa que enfrente essa doença. Mas BOLA PRA FRENTE, porque, repito: tem solução!!! Boa semana.